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Quando pequeno a gente sempre imagina como vai ser quando crescer. Pensa em como vai ficar, se vamos ser altos, se vamos continuar magrinhos, se vamos melhorar da gagueira, se vamos poder ter um cachorro, se vamos dormir depois das 22h00min, se vamos parar de ter pesadelos depois de ver filmes de terror. Se vamos crescer pra ser astronautas, se vamos conseguir morar na beira da praia, se vamos continuar jogando futebol todo dia, se vamos ter os mesmos amigos, se a gagueira vai passar, se vamos poder beber mais de um Yakult por vez. E projetamos coisas, e estipulamos algumas metas infantis, alguns objetivos de criança, e ficamos imaginando que é assim que a vida adulta deveria ser, dentro da nossa visão de garotinhos do que a vida adulta é e de como um adulto deve se comportar.
Mas esses objetivos, essas metas, esses projetos, mudam, é claro. E isso fica óbvio não apenas pelo fato de que vivemos num mundo que tem muito mais advogados, publicitários e técnicas de contabilidade do que astronautas, bailarinas e veterinários, mas também porque a mudança é parte inerente do processo de crescer e nem sempre, quando adultos, conseguimos parecer com aquelas pessoas que nós, quando garotinhos, achávamos que íamos ser. Alguns porque mudaram de opinião quanto a corrida espacial, outros porque entenderam que não servem pra entrar em prédios em chamas, algumas porque notaram que aqueles pinschers realmente não merecem viver e tentar trabalhar salvando esse tipo de animal seria uma tremenda hipocrisia.
E essa semana, mais precisamente na quarta feira, eu completei 26 anos e tudo que tenho recebido de presente é a responsabilidade de importar dados em um sistema no trabalho e uma serie de divergências entre operadores que eu tinha que resolver antes que pessoas começassem a se matar com fones de ouvido, eu fiquei pensando em que tipo de satisfação eu, hoje, poderia dar se tivesse que ser confrontado com as expectativas do Luan de sete anos, aquele que queria ser astrônomo, tinha medo de cavalos e sinceramente achava que o mundo de beakman era o mais longe que qualquer programa de tv poderia chegar em termos de entretenimento.
Em primeiro lugar não deu pra ser astrônomo. Números demais, física demais, nós temos uma vocação natural pra quebrar objetos com partes de vidro, nos empolgamos acima da média com painéis e botões coloridos, apenas não rolou. Claro, somos capazes de reconhecer algumas estrelas, sabemos que aquilo que o planeta gigante fez no filme do Lars Von Trier (um dia você vai saber quem é) apenas não faz sentido, mas não, astronomia realmente não rolou. Mas comunicação é legal, sério. Não é genial, não é sensacional o tempo todo, mas é bacana. E você gosta de escrever, então é divertido. E sim, você gosta de escrever. É, nada de matemática, nada de ciências, você acabou indo pras humanas. É, eu sei, eu nunca entendi também.
Você ainda tem medo de bichos. Quase todos, pra ser sincero. Cachorros, várias aves, répteis também. Mas você foi ao zôo esse ano (duas vezes) e foi bem bacana. Tinha girafas (girafas são sensacionais, sério). E foi ao planetário também, ainda que eu devesse ter mencionado isso na parte de astronomia, acho. Sim, você continua se expressando de forma confusa, tem umas coisas que não vão mudar e tal. Tipo a gagueira. Mas ela diminui ali pelo meio da adolescência e hoje você consegue falar direitinho. A não ser quando fica nervoso. Ah, e no trabalho você fica nervoso com muita frequência e tal.
Os pais estão bem e as avós também, mas sem querer dar spoilers, eu acho que você deveria aproveitar mais o tempo com os avôs, você vai entender depois. Conforme o tempo passar você vai começar a achar que a mãe diminuiu mas não, você é que cresceu e sim, ela vai ficar irritada se for chamada de duenda, mas a diversão vai compensar o risco. O Cainã cresceu também e hoje aquele bebezinho cabeçudo tem um filho e está casado. Mas no fundo ele continua a mesma coisa, e com isso eu quero dizer que ele continua cabeçudo.
Você ainda joga bola, mas nunca aprendeu a cabecear de olhos abertos, o que é uma deficiência, mas você continua compensando com um bruta excesso de vontade. Sabe esses quadrinhos dos quais você tá começando a gostar? Você nunca vai largar e vai escrever sobre eles no seu trabalho de final de curso, além deles guiarem metade da sua escolha de camisas pelo resto da vida competindo apenas com as que tem referências diretas ou indiretas a Star Wars. Sim, com o tempo você também vai saber o que é Star Wars.
Seu quarto é cheio de livros, você tem sua própria cama, você tem todos quadrinhos que sempre quis e pode tomar quantos yakults quiser de uma vez só (ainda que você vá descobrir que depois do oitavo seguido eles perdem um pouco da magia). E você tem amigos sensacionais, ainda que eles te influenciem negativamente em alguns momentos (dirigir bêbado é sempre errado, beber até vomitar é sempre errado, beber muito e invadir casas, mesmo que vazias, é sempre errado).
Então, bem, espero que você não esteja decepcionado. Claro, as coisas não saíram exatamente como planejado, tivemos algumas mudanças chatas no caminho e sim, você passou 4 anos achando que seu gato Hal Jordan era macho quando na verdade ele era fêmea, acabou magoando algumas pessoas das quais gostava muito, mas no geral saiba que você tá se saindo muito bem e as coisas estão boas. É aquela coisa, a gente pode não ter chegado exatamente onde queria chegar, mas acho que terminamos onde a gente precisava estar. E não, essa frase não é sua, é do Douglas Adams. E sim, você também vai saber quem é Douglas Adams, fica tranquilo.
Ah, e Beakman ainda é o mais longe que qualquer programa de tv poderia chegar em termos de entretenimento. Você tinha toda a razão o tempo todo.