3 breves não-romances de carnaval
#1
Foi uma daquelas coisas de filme. A música alta, a multidão, a chuva. Até que por um segundo a rua se abriu, o sol brilhou e tudo isso guiou o olhar dele na direção dela. Ela. A peruca loira, os olhos castanhos, o microfone na mão, o papagaio de pelúcia no ombro, a Ana Maria Braga mais linda que ele já tinha visto. Três pessoas tropeçaram nele, tomou duas ombradas, foi chamado de arrombado do caralho por um cara fantasiado de Bambam dos Flintstones, mas ele não notou, o tempo e o espaço colapsados quando ela pareceu olhar de volta e sorrir.
Pensou no que dizer, pensou em como se aproximar. Ser mais direto? Conversar? Primeiro perguntar o nome, certo? Primeiro falar o próprio nome? Respirou fundo, virou o resto da vodka que estava na garrafinha e foi. Chegou perto e ela continuava sorrindo. Se aproximou e falou “não sou o carro autônomo mas queria atropelar você” e nessa hora o bloco tocou aquela nota mais alta. Ela gritou “o quê??” e ele não teve coragem de repetir. Ela gritou “não tá dando pra te ouvir, vamos ali e você compra uma cerveja pra gente?”. Ele sorriu.
Eles chegaram no ambulante, ela olhando pra ele, ele olhando pra ela. Os dois sorriam. O ambulante e ela se conheciam. Ela se chamava Alice. “Lindo nome, Alice”, ele pensou. Passou dois latões, sem nem olhar pro ambulante, pro latão, pra maquininha. Só olhava pra Alice. Alice sorria. Ele sorria. Andaram mais um pouco, por fora do bloco. Alice disse “me espera aqui? vou só me despedir das minhas amigas, aí volto pra ficar com você”. Ele sorria. O bloco passava. Os amigos dele passavam. Minutos passaram. Ele olhou no celular e a mensagem do banco avisava uma compra de dois mil reais no débito. Alice não voltava. Ele não encontrou mais o ambulante. Ele não encontrou mais Alice. Mandou uma mensagem no grupo dos amigos perguntando se alguém sabia como protestar compra de cartão no Nubank e a única resposta foi aquele meme “se liga meu, abre conta num banco que existe”.
#2
Taça de gin na mão, sentada no meio fio, ela encarava o moreno do outro lado da rua. Sozinha com os próprios pensamentos, pernas cansadas após caminhar atrás do bloco uma distância que ela chamaria de maluco qualquer um que caminhasse num dia útil. Esperava duas amigas voltarem do banheiro enquanto tentava entender o que naquele cara chamava tanto a atenção.
Não era tão bonito, não era tão alto, sambava de um jeito que possivelmente causaria num sambista a mesma reação que uma pizza de padaria carioca coberta de ketchup causaria num daqueles paulistanos da Mooca.
Mas tinha alguma coisa nele. Uma sensação de familiaridade, de que em algum nível eles já conheciam? Como se já existisse alguma conexão, alguma ligação, como se aqueles movimentos e aquele jeito de andar já fossem parte da vida dela. Esquisito, porque ela podia ter bebido muito na véspera, podia ter dormido só três horas e já estar na sexta dose do dia, mas papo de almas gêmeas, outras vidas, já era meio demais.
Olhos fixos, lente de contato até já meio ressecada, ela esperou as amigas voltarem. Levantou, trocou a taça de mão, apontou na direção do moreno e quando ia começar a dizer qualquer coisa já ouviu um “Pô, dança que nem um lango lango o seu ex, hein, amiga? Esquisito pra caralho essa porra desse homem”.
#3
Ela nunca havia dado um soco na vida, mas quando ele se aproximou dela, que estava fantasiada de Juma Marruá, com a frase “será que essa oncinha não está precisando de uma pintada?”, ela soube que havia chegado o momento.
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