A importante função social do Casal Que Briga Em Público™

Shoegayzer
4 min readJul 3, 2019

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Ainda que às vezes ele seja barulhento, ainda que às vezes ele soe inconveniente, ainda que seguidamente ele atrase filas de mercado, lojas de conveniência e repartições públicas, é preciso reconhecer que poucas entidades contribuem tanto com o psicológico da pessoa que vive sozinha quanto O Casal Que Briga Em Público™.

Você no mercado, sexta 22:30, voltou cansado do trabalho, está comprando aquela lasanha congelada para uma pessoa cuja embalagem reforça o numeral “1” de uma maneira que você considera meio desnecessária. Melancolia começou a bater, você está pensando em como queria alguém te esperando em casa, aí na sua frente na fila começa um NÃO, MARCELA, VOCÊ TÁ VIAJANDO, 10 É MUITO POUCO, e tá ali O Casal Que Briga Em Público™ discutindo por conta da quantidade de Red Bull pro esquenta da festa e você fica feliz porque a sua casa vai estar vazia, silenciosa, cê vai poder ver um seriadinho e dormir todo transversalizado na cama daquele jeito que você gosta.

Você está no hospital, aquela reação alérgica, sorinho na veia, a enfermeira fala que o doutor andré está vindo mas cê sabe que não está porque ele acabou de passar se despedindo do outro médico, fez até hangloose. Você pensando em como queria alguém pra segurar a sua mão e dar aquela animada ou pelo menos buscar uma água já que você não tá muito confiante de andar segurando o trocinho do soro e no cubículo do lado começa um AH, FILIPE, PUTA QUE PARIU, NÃO CUTUCA MEU SORO, FILIPE, CARALHO e tá ali O Casal Que Briga Em Público™ discutindo por conta do quanto de remédio tá pingando e você fica feliz porque está passando mal mas pelo menos não tem ninguém gritando contigo ou cutucando o seu soro, ainda que você também esteja inseguro sobre a quantidade de remédio que está pingando porque fica caindo só uma gotinha, parece pouco, não sei.

Casais que jamais brigariam em público

Porque essa é talvez a função cósmica do O Casal Que Briga Em Público™ — além de, é claro, te acordar quando decidem discordar debaixo da janela do seu quarto durante um fim de noite: te lembrar que relacionamentos não são apenas a fofura que você vê nas fotos do Instagram, as declarações de amor que aparecem no Facebook ou as pessoas se agarrando de maneiras lascivas que você vê em festinhas e percebe que os beijos de filme precisam mesmo ser meio falsos porque pessoas se beijando de língua em locais públicos pode ser meio impactante de ver, num dado dia você assistiu um cara lambendo o nariz de uma menina, por exemplo.

O Casal Que Briga Em Público™ está ali pra te mostra que casais são feitos também de confusão, tensão, discussão, arestas que precisam ser constantemente aparadas e diversos outros momentos não tão bons que precisam ser vividos pra que os momentos bons aconteçam. Então ainda que você fique em alguns momentos chateado por não viver os aspectos mais positivos de ter sempre alguém do seu lado — o cuidado, o carinho, a cumplicidade, o “busca uma água pra mim, você já levantou, vai” — a presença do O Casal Que Briga Em Público™ te lembra que ao menos você também não está convivendo diariamente com os aspectos negativos e mais cansativos como as discordâncias, os momentos de insuportabilidade alheia e aquelas vezes em que a pessoa repete o que você diz fazendo voz de criança para tentar te ridicularizar e você fica profundamente puto.

Sério, como eu gostava dos casais dessa série

O Casal Que Briga Em Público™ está brigando não apenas porque discorda sobre a quantidade de energético, porque um deles é um chato que cutuca o tubo de soro do outro ou mesmo porque um está tentando reconhecer o Uber pela placa e o outro pelo modelo do carro, mas também pra te fazer valorizar um pouquinho mais o seu espaço e entender melhor se você tem o que precisa pra dividir esse espaço com outra pessoa. Ou isso ou apenas são pessoas muio intensas que tem um tom de voz meio alto. Eu tenho uma tendência pra dar significado demais pras coisas também, acontece muito.

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Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

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