“Apoiava mais essa causa antes de saber que você apoia também” e outros pequenos dilemas da internet contemporânea
É uma causa, ideia ou proposta que sempre teve o seu apoio, seja ela grande ou pequena. É uma educação de qualidade para as crianças, é um sistema judicial mais digno e não-racista, é o direito do cidadão de colocar ketchup na pizza porque a pizza é dele e se ele quiser colocar querosene, botar fogo e meter na boca a constituição de 1988 garante e Dr. Ulysses não morreu para que em pleno ano de 2021 alguém chegue dando carteirada de “polícia da pizza”.
Então você tá lendo o post, o artigo, o comentário, e a sua vontade geral, por todos os motivos do mundo, é concordar. Primeiro porque concordar é mais fácil, dá menos trabalho, você precisa de só um like pra concordar e de várias letrinhas pra discordar, hoje em dia você nem tem essa energia. Depois porque numa época como a atual, com tanta discussão, tanta polêmica vazia, tanta gente se esmurrando no trânsito por conta de grossura de fatia de mortadela (“FININHA É MELHOR E QUEM DISCORDA MERECE MORRER!!!”) dá até um calorzinho gostoso no peito quando você apenas pode concordar com uma coisa, sem medo, sem reservas, só fechar os olhos e abraçar. E por final, porque bem, você concorda mesmo, é uma opinião alinhadinha com a sua, é exatamente como você se sente sobre esse tema, se colocasse lado a lado uma sinopse da opinião da pessoa e um RAIO X DA SUA ALMA não iria dar pra diferenciar um do outro.
Só que tem aí o problema de não ser uma sinopse. E conforme você vai lendo, conforme as palavrinhas vão se formando, conforme a barrinha de rolagem do celular vai descendo, você percebe que não, não tá tão fácil concordar quanto você gostaria.
Às vezes é aquele combo gostoso de presunção e condescendência. Aquele tom professoral estilo “deixa o tio explicar pra vocês” que você não teria coragem de usar nem com o seu sobrinho pequeno se estivesse realmente explicando alguma coisa pra ele, aquela construção que deixa claro que ele tem razão em todos os pontos e argumentos pelo simples fato de ser ele e qualquer pessoa que apresentar qualquer observação que não esteja 100% de acordo com o que ele disse é burra, mal-intencionada ou muito possivelmente as duas coisas. Seu sentido de aranha não dispara porque você não é o Homem-Aranha mas o seu refluxo já deu aquela movimentadinha.
No fim o ponto que você defende tá ali? Com certeza tá. Mas tal qual o queijo num pastel de queijo meio questionável, aquele que deveria ser o principal elemento acaba se tornando um pequeno detalhe que mal representa 5% do volume geral do produto, só que infelizmente o argumento não está perdido no meio de uma gostosa massa frita e sim abandonado entre várias camadas de argumentos questionáveis, presunção e certa vontade de aparecer.
Você não vai mudar de opinião por causa disso, óbvio. Você tem suas convicções, você tem sua maturidade, você é adulto o bastante pra lidar com o fato de que às vezes pessoas de quem você não gosta vão concordar com você e pessoas de quem você gosta podem vir a discordar. É da vida, acontece, também não é um drama, você já foi a estádio de futebol, você entende o que é ter torcendo pela mesma coisa que você gente que você não queria ter nem no mesmo código de DDD.
Mas mesmo enquanto um click gostoso num bonito thread de twitter te leva a abandonar as redes sociais por alguns instantes, você não consegue evitar que a sua mente ainda produza um último “porra, bicho, o cara é tão arrombado que quase conseguiu me fazer discordar de mim mesmo, que doideira”.