Comédia Romântica
Nas comédias românticas as pessoas gostam de dizer que se lembram tudo. Que você usava vermelho, que a lua estava cheia, que nós pedimos macarrão, que o uber atrasou, que o garçom era engraçado, que o seu perfume tinha algo de jasmim. Eu lembro que você me encontrou na fila, que quase não conseguimos aguentar de frio na saida, que as pessoas falavam alto em torno da gente. Eu não lembro exatamente da sua roupa, eu não lembro exatamente da lua, mas eu lembro que você estava inquieta e eu fiquei inseguro pensando se esse era um plano de emergência caso eu fosse muito chato — “ei, desculpa sair assim, mas esqueci que precisava fotografar uns canários agora à noite pra um trabalho e olha só, esse é meu uber, tchau”. E no tempo que eu precisasse para perguntar se canários efetivamente saem à noite e que tipo de trabalho era aquele você ia ter ido embora, algo assim. Mas naquela noite você ficou. E ainda consigo lembrar do primeiro sorriso que você me deu.
Nos filmes as pessoas quase sempre acreditam em sinais. Que quando eu toquei a sua mão eu senti eletricidade, que na hora do primeiro beijo havia uma música indistinta tocando ao fundo, que de alguma forma o ritmo dos sinais naquela noite no vibes dizia em código morse que aquilo era amor, que quando você me beijou pela primeira vez você soube que era eu, que quando coloquei meu braço em torno do seu ombro eu soube que era de verdade. Num filme o mocinho não ficaria hesitando durante meia hora antes do primeiro beijo, não existiria ao lado um grupo de pessoas chatas gritando, o double chopp não acabaria antes da nossa hora de ir embora. E também acho que num filme ninguém ficaria preocupado em parecer babaca por ser gago e muito menos iria pra casa absolutamente inseguro sem saber se a mocinha tinha gostado ou não dele. Na verdade eu acredito que nunca filmariam uma comédia romântica no vibes, se você quer saber a minha opinião. Mas eu ainda tenho mensagens suas de meses atrás salvas no celular corporativo pras quais eu olho durante as reuniões chatas.
E numa comédia romântica teríamos conflitos, claro. Você teria namorado meu irmão, eu teria ficado com sua prima na escola. Teríamos um relacionamento começado como uma aposta pra depois você descobrir que era mais do que isso, eu teria sido contratado pelos seus pais pra te manter na linha. Você iria terminar comigo por conta de um plano nefasto de uma ex-namorada, eu iria te tirar de dentro de um vôo pra dizer que o que nós sentimos é mais importante que sua bolsa de estudos e seu relacionamento incipiente com Hans, um modelo alemão que parece ser o cara dos seus sonhos mas na verdade odeia animais, crianças e quer apenas o dinheiro da sua família. Eu, com meu jeito descontraído e péssimo gosto pra roupas ia roubar você do seu namorado certinho e frio e você com seu conhecimento infinito de música e vício em futebol ia me tirar da minha namorada modelo que não acredita no meu potencial como escritor. Numa comédia romântica você seria a Jurnee Smollet, eu iria insistir no Michael Cera por razões pessoais e o estúdio iria vetar o projeto antes mesmo de qualquer versão final do roteiro porque não entenderiam a insistência dos produtores com tantas cenas no fassbier e uma piada sobre Schalke 04. As pessoas não sabem reconhecer um bom filme.
Então, se você pensar friamente, pelos critérios técnicos, a gente talvez não tenha sido lá uma grande comédia romântica. Eu não sou tão engraçado, fizemos algumas coisas que subiriam em 6 anos a censura de qualquer filme e talvez nem mesmo no circuito indie as pessoas estejam preparadas para um plano-sequência de duas horas de um casal deitado e fazendo massagem no pé enquanto fala sobre trabalho. Talvez tenha faltado conflito, talvez faltaram clichês, talvez não tenhamos tido grandes gestos, talvez aqueles dadinhos que sempre te levei não sejam o bastante pra gente decolar no mercado asiático.
Mas nós tivemos as manhãs de sábado. E nós tivemos as noites no bluesteco. E nós tivemos as conversas na cama, e nós tivemos as viages pra São Paulo, e nós tivemos as discussões sobre a carreira de alguns jogadores aleatórios, e os problemas com alimentação em diversos ambiente e momentos. E temos os ubers na chuva, e as tardes deitados vendo filme no hotel, e as caminhadas na subida cantando, e os jogos do liverpool, e as buscas por uma parede pra escorar no bar. E as mensagens de boa noite, os áudios na saída do trabalho, e os emojis de panda, e o momento em que acordamos em que eu as vezes beijo você demais e essa minha coisa de ficar te rodeando antes de demonstrar algum carinho e que realmente me trava de vez em quando, ainda que você tenha achado que era só um ritual meu.
E são coisas assim, que possivelmente não entrariam em nenhum roteiro e que dificilmente aconteceriam com o Joseph Gordon-Levitt numa reprise do Telecine, que fizeram com que a nossa seja com certeza uma das melhores histórias da qual eu já fiz parte. Isso e possivelmente a trilha sonora. Sério, 95% do que ouvia no spotify atualmente era composto de músicas que daquela playlist. Eu realmente não sei como eu lidava com isso antes da gente se conhecer.
Sinto sua falta