Da mecânica quântica do “você tá meio esquisito”.
poucas frases, na vida da pessoa adulta, são mais aterrorizantes do que o “tô te achando meio esquisito”. claro, existe o pânico clínico de um “os resultados dos exames chegaram”, existe o abismo primordial prático de um “quando terminar isso aí pode passar na minha sala” e existe o nível sádico de tortura emocional de um “preciso conversar uma coisa contigo mais tarde mas agora não posso falar” seguido de seis horas de espera, mas poucas construções tem tanto potencial pra abalar a psique humana da mesma maneira que um “você tá meio estranho hoje, não tá não?”.
isso porque existem dois cenários. no primeiro você está estranho porque algo aconteceu. você matou alguém, você deu um desfalque na empresa, você tem uma amante, você está usando uma identidade falsa, você matou a sua amante com quem você havia dado um desfalque na empresa onde você trabalhava usando sua identidade falsa. e isso tá transparecendo. as máscaras estão caindo. você não consegue mais manter seu sotaque romeno, acharam o corpo no porta-malas, perceberam que o cofre não tem mais as barras de ouro mas sim tazos da elma-chips e nem são daqueles especiais metálicos. então um “você tá meio esquisito” é sintoma de que você chegou ao fim da estrada, é hora de descolorir o cabelo e fugir pro uruguai, a polícia deve estar chegando, imprimir um passaporte numa hp jato de tinta foi ousadia demais. então é um péssimo sinal, vamos dizer.
e claro, pode ser que não tenha nada disso. você estava levando seu dia normalmente. atitudes normais, humor normal, movimentos normais, exceto por uma tentativa frustrada de coçar as costas com o telefone do trabalho, que você deveria ter evitado realizar na frente de todo mundo. então quando alguém, uma paquerinha, um amigo, sua mãe, te diz que você tá estranho, você não entende, você não tá preparado, você fica confuso. e aí se abre o portal, claro.
isso porque, da mesma maneira que no exato instante em que alguém te lembra que você está respirando todo o automatismo da respiração se torna um pouco mais complicado – “é inspirar e expirar, certo? ou é expirar, expirar, inspirar? pera, qual parte é com a boca?” – assim que alegam que o seu comportamento está estranho você automaticamente deixa de ser ator e também se torna observador do seu comportamento. você não está mais sendo você, você está sendo você enquanto observa você sendo você. o que rapidamente se torna você observando e avaliando você sendo você e em alguns minutos vira você observando e avaliando a interpretação que você faz do que você imagina que seja você, já que agora você está conscientemente tentando agir normalmente baseado numa ideia do que é normal pra você e quando você menos repara você já virou uma sinopse de um filme do charlie kaufman pro qual ele nunca conseguiu financiamento e é todo em stop motion usando como trilha sonora apenas músicas da baby consuelo.
porque afinal, nada garante mais que a gente vai ficar esquisito do que estar preocupado em não ser esquisito. como uma profecia grega que se autorrealiza, tentar agir normalmente só garante que você vai se comportar de maneira esquisita, focar em “andar naturalmente” quando passa pela polícia apenas vai te fazer andar da maneira mais suspeita possível, fingir que não tem nada de errado no evento de família só oferece 100% de certeza que você vai involuntariamente fazer sua avó achar que você foi substituído por um robô e o neto dela na verdade morreu no ensino médio.
o que, é claro, só vai fazer com que a pessoa que causou isso em primeiro lugar, a responsável por todo esse processo de questionamento pessoal que agora te fez pensar demais e passar 30 minutos expressando sentimentos como um robô tentando simular emoções humanas, vire e diga um “viu? eu falei que você tava esquisito, eu sabia, eu sinto essas coisas”. a galera é foda, sério. eu venho falando e repetindo isso direto. a galera é foda.