Ga-ga-gagos

Shoegayzer
4 min readMay 4, 2023

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Não costumo dizer essas coisas, mas eu ando nervoso, preocupado, ansioso e tudo mais. E diante dessa situação vem à tona outra das fascinantes características que me tornam esse partidão que todos vocês conhecem: eu sou meio gago. Quer dizer, meio gago não, porque “meio gago”, assim como “meio grávida”, “meio criminoso” e “meio alcoólatra” é um desses conceitos esquisitos que as pessoas inventam pra esconder parentes que as envergonham. E como o alcoolismo, a gagueira é uma coisa que pode ser controlada (dizem) mas que nunca acaba. Afinal, eu consigo passar horas sem gaguejar, mas subitamente a coisa volta e lá estou eu dando declarações remixadas de novo. Mas se vou falar disso, vamos começar pelo começo.

Ao contrário do que muitos pensam, não se começa a gaguejar assim que se começa a falar. Por mais engraçada que a idéia de bebês dizendo “gu-gugu dá-dádá” ou de crianças chorando “bu-buáááá” possa parecer para certas mentes doentias, quase todos os casos de gagueira de desenvolvimento (como o meu caso), começam na adolescência ou na pré-adolescência. Eu, por exemplo, era um menininho nerd irritantemente bem articulado até os sete, oito anos, quando alguma coisa (minha mãe culpa a mudança de escola, meu pai culpa a mudança para fortaleza, meu vô culpa a zaga do Santos. Por tudo) me fez começar a gaguejar em diversos tipos de situação. Ou seja, em algum momento entre a minha primeira mudança de escola e a minha ida pra fortaleza, jazem a minha dicção e a minha fluência verbal, muito possivelmente ali perto do grall da Dutra, no Vale do Paraíba.

E esse meu tipo específico de gagueira tem algumas particularidades interessantes que surgem do fato de ser um problema de cunho totalmente emocional, como por exemplo o fato de que a intensidade dela varia de acordo com a minha situação e estado de espírito (daí o “meio gago”). Se eu estou, por exemplo, conversando com a minha mãe, batendo papo com amigos íntimos, bêbado (ou mesmo conversando com a minha mãe e com alguns amigos íntimos enquanto estou bêbado), eu simplesmente não gaguejo. Por outro lado, em situações em que estou acuado, nervoso, inseguro, preocupado, ou flertando com alguém (o que costuma me deixar acuado, nervoso, inseguro e preocupado) eu simplesmente sou incapaz de concatenar qualquer palavra sem transformá-la em um polissílabo repetitivamente bizarro. Mas claro, isso não segue sempre essa lógica. Se eu ficar suficientemente empolgado ou mesmo mudar meu tom de voz ou meu ritmo de falar, a gagueira também desaparece totalmente, o que seria uma boa solução se fosse possível estar sempre revoltado com o ataque do Santos, sempre falando sobre quadrinhos ou sempre usando sotaque mineiro e imitando o Vanderlei Luxemburgo.

E mesmo que eu já tenha aprendido a conviver com o meu problema de dicção, ser gago ainda tem seus aspectos irritantes. Além do aspecto de não falar direito e repetir sílabas, claro. Primeiro são as péssimas piadas de gago. Sério, fora aquela do guia africano avisando que o hipopótamo está chegando, é muito complicado ouvir boas piadas de gago nos dias de hoje*. Outro lado chato é que a gagueira não é realmente vista como um problema ou um “handicap”, ainda que, num certo nível, ela seja. Afinal, pessoas com problemas de dicção são livremente zoadas por aí, o que não é feito (em locais civilizados) em relação a pessoas com outros problemas ou limitações. Afinal, imitar um gago hardcore é quase tão cruel quanto dar uma rasteira num cara de muletas, mas mesmo assim é algo muito mais aceito pela sociedade (e eu já passei pelas duas situações, eu sei bem)

Ou seja, ser (estar) gago é basicamente um saco. Te faz ficar tímido (ainda que eu não saiba direito se eu sou um cara gago que ficou tímido ou um cara tímido que ficou gago), te elimina várias oportunidades profissionais (“sabe aquele seu sonho de narrar rodeio, Luan?”), atrapalha a sua vida pessoal (sério, só quem acha gagueira fofinha é fonoaudióloga, e da mesma forma que um dono de funerária acha uma chacina “simpática”) e ainda pode colocar sua vida em risco (“eu preciso de um mé-mé-mé-di-di – …ah, esquece, acho que vou morrer mesmo…”). Só existe uma e somente uma coisa no universo que consegue tornar menor o sofrimento de um gago: ver um fanho falando. Sério, fanhos são bons demais!

Ok, ok, foi uma piada ruim…Mas quantas boas piadas de fanhos existem também, né? Complicado, cara…

*Na verdade a coisa mais engraçada relacionada a gagueira que eu vi na vida foi uma propaganda, quando eu era criança da campanha nacional de combate (ataque? extermínio? destruição?) da gagueira com o tema “Gagueira não tem graça”. Ou seja, se precisarem da definição de falha em termos de publicidade institucional, citem “fazer um gago rir numa propaganda com o tema gagueira não tem graça”.

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Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

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