Lista atualizada das pequenas fantasias de desagravo moral que você alimenta enquanto espera em filas de banco, rodoviária ou restaurante
# É uma situação-limite em grande escala. Um assalto com reféns, uma guerra contra a Coréia do Norte, uma invasão marciana. Todos os recursos já foram esgotados, a polícia não deu conta, o exército brasileiro só tinha munição pra uma hora de confronto, nenhuma das experiências com feijãozinho realizadas pelo astronauta Marcos Pontes nos preparou pra isso. O desespero tomou conta, não há mais esperança, seu avô que era mais do interior diria que “a vaca foi pro brejo com as corda e tudo”.
Mas aí surge, mas aí aparece, mas aí ela vem. Sim, ela. aquela situação em que apenas algum conhecimento/aptidão/posse particular sua vai salvar o dia. Sim, apenas aquele seu chaveiro da sorte que todo mundo falou que era pesado e ridículo demais pode abrir as algemas, apenas a sua habilidade de engolir alimentos incrivelmente rápido e que sempre foi criticada por amigos e familiares poderá permitir que o Brasil vença aquele concurso de comer cachorro quente contra Kim Jong-Un valendo a liberdade do nosso país, os aliens automaticamente explodem quando alguém canta mais de 5 músicas seguidas do grupo Beach Boys, sem valer Surfer in The USA e nem Don't Worry Baby e duas precisam ser românticas mas duas tem que ser mais animadinhas (a quinta é escolha livre). Reféns liberados, Brasil livre, planeta Terra salvo, você pega seu celular e manda aquele Whatsapp para a sua mãe/ex-namorada/colega de escola dizendo “VIU? EU DISSE QUE ISSO AINDA IA SER IMPORTANTE, EU DISSE!!”
#Daí que a pessoa vacilou contigo. Não que você não tenha vacilado, não que a vida não seja uma grande narrativa da imensa rede de vacilos que une cada ser humano em direção ao grande vacilo final, mas até pros seus padrões, que são altamente coniventes por conta de uma esperança infantil de que da mesma maneira que gentileza gera gentileza a conivência gere conivência, a pessoa vacilou contigo. Tipo, baita vacilo, bicho. Mas calhou o destino, ditou o acaso, girou a roletinha do Jogo da Vida da vida real, que o carrinho dessa pessoa, branco com um pininho dentro, caísse na casa “agora precisando de você”. Sim, aquela pessoa que vacilou contigo, aquela pessoa que foi sacana com você, aquela pessoa que deliberadamente quis te ver se fodendo quando havia sim entre as opções dela a possibilidade “não te foder”, tá ali, precisando de você, e tá na sua mão decidir se ajuda ou não, se colabora ou não, se apenas ignora e sai dali assobiando uma cançãozinha oitentista tipo um Hall & Oates gostosinho.
E claro, você ajudaria. Ajudaria muito. Ajudaria pra cacete. Ajudaria de uma maneira que aquela pessoa nunca ia ter se sentido tão ajudada na vida e se ela esboçasse uma reação de agradecimento você só ia fazer um gesto com a mão de “não precisa, é por conta da casa” na esperança de que a sua superioridade moral naquele momento fosse tão intensa e corrosiva que aquela pessoa iria se lamentar e remoer durante toda a vida por ter ousado sacanear uma pessoa que é tão capaz de perdoar que se Jesus ainda estivesse vivo ele iria te vaiar e dizer “não exagera também, ô seu perdoão do caralho”. Na sessão da semana passada a sua terapeuta perguntou se você se considera passivo-agressivo e você disse que não sabia do que ela tava falando.
#Você está envolvido numa discussão qualquer, com uma pessoal qualquer, sobre um assunto qualquer, a pessoa está te cobrando explicações e assim que você explica o seu lado ela diz “ah, não, agora eu entendi, tudo bem”.