Minhas mais sinceras desculpas
Um problema que eu tenho é que eu peço desculpas demais. Não sei bem explicar quando começou, não sei se tem a ver com questões de autoestima, se é um tique nervoso ou se eu apenas tenho o mais estranho caso de tourette reverso que a medicina já registrou – “então eu estava lá…ME DESCULPE…conversando com ela e…MIL PERDÕES GENTIL SENHORA…sobre o calor que estava fazendo…EU ASSUMO TODA A RESPONSABILIDADE…” – mas a verdade é que eu, desde a adolescência, peço desculpas com uma freqüência bem mais alta do que a do resto das pessoas.
Esbarrei em alguém na rua? Peço desculpas. Cheguei tarde num encontro? Peço desculpas. Tropecei numa coisa que uma pessoa deliberadamente deixou no meio do caminho? Peço desculpas. Saí com alguém e está chovendo? Peço desculpas. Um colega esqueceu a parte dele durante uma apresentação? Peço desculpas. Meus amigos se reuniram para cozinhar e prepararam uma gororoba absolutamente intragável que eu quase me sufoquei tentando comer e foi preciso que fizessem a manobra de Heimlich em mim para que eu não morresse ali mesmo na mesa? Peço desculpas. Sou informado de que houve um terremoto na Bolívia? Compungido, eu peço desculpas.
Ou seja, analisando friamente o meu comportamento e a minha tendência a me desculpar eu acabei concluindo que ao invés de fazer o uso normal e correto do conceito de desculpa – como uma maneira de compensar moral e discursivamente algum tipo de erro – eu acabei adotando a palavra como uma espécie de escudo verbal para qualquer demonstração de desconforto ou discordância das pessoas ao meu redor. Se a culpa é minha eu me desculpo, se a culpa é do outro eu me desculpo, se a culpa é de uma terceira parte não envolvida eu me desculpo, se a culpa é de algum fator externo imponderável, como a sorte, o governo da coréia do norte ou o fenômeno climático das monções, eu me desculpo. Ou seja, como eu mencionei no começo do texto, eu me desculpo pra caralho.
E isso, é claro, tem conseqüências ruins na minha vida. Não apenas pelo fato de que esse é o tipo de comportamento que irrita as pessoas na convivência diária – “pô, desculpa ter pedido desculpas quando você disse que eu peço desculpas demais. desculpa mesmo, sério” – como também acaba dando aos outros a ideia de que podem mesmo te culpar pelas coisas que você não fez – “Luan, eu te desculpo por eu ter derrubado cerveja na sua blusa, tá tranquilo, meu coração é grande” – além de possivelmente dar a impressão de que você tem algum tipo de delírio de grandeza, já que expressa graus elevados de remorso e responsabilidade por eventos tão acima do seu controle quando os conflitos no oriente, as secas na áfrica e as correntes de internet – “ah, disseram que se você não enviar pra seis pessoas você vai morrer? me desculpa, sério”.
Então, ciente de que essa questão havia realmente se tornado um problema na minha vida eu decidi tentar, ao menos por um dia, controlar os meus pedidos de desculpa. Ao invés de apenas, diante de qualquer situação, responder ao desconforto alheio com uma admissão teórica de culpa, eu iria em cada caso refletir calma e friamente sobre as responsabilidade envolvidas, sobre o meu papel naquele contexto específico e, apenas e tão somente se o fato envolvido fosse realmente danoso e sua origem estivesse ligada a alguma ação praticada por mim de forma voluntária e consciente, eu me desculparia com aquela pessoa. Não como um reflexo, não como um gesto defensivo mas sim como uma reação sincera e reflexiva diante de um ato não-benéfico de minha parte. Uma desculpa no sentido correto da palavra.
Comecei com essa iniciativa ontem e por isso gastei cerca de dez minutos pra responder quando uma coordenadora veio comentar que acabaram os post-its da mesa dela. Desconfio que as pessoas no trabalho agora acham que eu tenho algum tipo de retardo. Minha vontade é pedir desculpas pra todos eles.