Mini conto #13: Outra pequena história romântica
Voltando do trabalho de ônibus, quase oito da noite, cansado, mochila nas costas, fones de ouvido no volume máximo, uma música sobre estar esperando por alguém na neve até estar congelado como Walt Disney. Estou eu de pé, meio pendurado, curtindo aquele clima de “rave gospel numa lata de sardinhas” que só o transporte público americanense consegue dar, quando reparo num casal.
Os dois tinham vinte e poucos anos e estavam sentados num banco próximo a mim, ouvindo música juntos, compartilhando os fones de ouvido. Claro, isso por si só já é…sei lá…romântico…(ainda que seu otorrino vá dizer que é pouco higiênico, mas o que otorrinos entendem sobre romance?), mas para eles era pouco. Os dois ainda faziam questão de cantar um pro outro, intercalando beijos com os versos da música, sempre com aquele sorriso de pessoa apaixonada, daqueles que parecem tão grandes que você tem medo que a pessoa engula as próprias orelhas. E durante muito tempo eles ficaram assim, cantando um para o outro, sorrindo e se beijando, até que a garota teve que descer do ônibus. Se despediram e ela saiu, caminhou em direção a janela e encostou as mãos no vidro pelo lado de fora, enquanto ele fazia o mesmo pelo lado de dentro (sim, seu médico também dirá que isso não é muito recomendável, ainda mais em tempos de pandemia e tudo mais). Logo depois disso ela foi embora caminhando saltitante e ele continuou ouvindo música dentro do ônibus, sorrindo para o vazio como alguém que tivesse injetado 600g de açúcar refinado na própria veia.
Vendo aquele casalzinho ali com toda aquela felicidade a primeira coisa em que eu consegui pensar foi em como aquelas duas pessoas conseguiram criar uma pequena bolha em torno delas. Eles estavam ali, juntos, e simplesmente não notavam o resto do mundo, não se incomodavam com nada. O ônibus lotado, as pessoas esquisitas travando as portas, o ar-condicionado desregulado, o cara ouvindo pagode no celular como se estivesse num churrasco, a voz assustadora anunciando que tava vendendo lembrancinhas. Enquanto eles estavam juntos não viam problemas, não sentiam medos, não viam as outras pessoas, não sentiam vergonha de nada que fizessem se fosse um pro outro. Eles tinham, não sei como dizer, a própria bolha pessoal de felicidade.
E estou eu lá ainda olhando meio abobado para o casal e quase vendo balões em forma de coraçõezinhos quando me viro para o lado e tem uma garota de óculos, mais ou menos da mesma idade que eu, também reparando na cena. Ela nota que estávamos os dois olhando pra mesma direção, dá uma ajeitada na franja e olhando pra mim, diz com uma cara irritada e aquele sotaque caipira bem puxado: “mas cantam mal pra caralho os dois, não? Puta que pariu…”.