Mini-conto #4: As incríveis aventuras espaciais de Adam Strange no planeta Rann
De madrugada o celular tocou e era alguém procurando Orlando. Depois disso não consegui mais dormir direito, rolei na cama, tomei três copos d’água. Quando finalmente peguei no sono o despertador tocou, fui tentar caminhar em direção ao banheiro ainda de olhos fechados e bati com a cabeça na porta. Não achei meu chinelo, o chuveiro não funcionava, tomei banho frio. Lavei roupas na véspera, esqueci, vesti aquela calça jeans maior do que eu, coloquei a camisa que estava em cima da cadeira. Essa era a que eu tinha separado pra lavar na noite anterior porque tinha uma mancha de molho na manga. Só notei quando já estava dentro do uber.
Cheguei no trabalho, tinha esquecido da reunião do projeto. Entrei na sala no meio, recebi aqueles olhares de reprovação, desabei numa cadeira. Joguei a mochila pro lado, peguei o celular, bateria acabando. Tinha esquecido o carregador. Tentei me concentrar, em quinze minutos estava dormindo, quase caí pro lado. Fui acordado pela colega perguntando se eu queria acrescentar alguma coisa. Bocejei, tentei manter os olhos abertos, não conseguia. Fiquei nessa pelas próximas 3 horas, enquanto falavam sobre um relatório que eu não conhecia, usando uns termos técnicos que eu não entendia. Pela janela eu via os carros passando pela rodovia. Dormi de novo. Me acordaram de novo.
Almocei sozinho porque meus amigos estavam viajando. No restaurante tinha fila e não achavam mesa pra um. Estava com fome. Pedi ao ponto, me trouxeram mal passado, pedi pra trocar me trouxeram queimado. Deixei pra lá. No caminho de volta pensei em tomar um sorvete e pedi uma casquinha de baunilha mas só tinha mista ou chocolate. Não gosto de sorvete de chocolate.
De tarde fui revisar um texto com um gerente. Ele me mandou, eu fiz uma versão, ele reclamou, mandei de novo, ele reclamou de novo. Fiz uma nova versão, ele disse que ainda precisava melhorar, reescrevi todo, ele disse que não tinha gostado. Mexi de novo, ele disse que ia reler. Duas horas depois me mandou um email dizendo que não precisava do texto. Nessa hora a internet caiu.
Me chamaram pra outra reunião e já era bem tarde. Sentei na sala e me perguntaram se eu podia fazer a ata. Eu disse que não, ia precisar sair cedo, tinha uma viagem. Me disseram pra fazer a ata mesmo assim e eu acabei não conseguindo dizer não. Tinha dito que ia sair cedo mas mesmo assim, quando eu saí cedo, fizeram de novo o olhar de reprovação. Peguei a mala, desci, fui procurar um uber, vi que não tinha sacado dinheiro. Voltei pra ir ao banco.
Na rodoviária me mandaram deixar a mala mesmo ela sendo pequena, me deram um aviso falso de cancelamento, o ônibus atrasou mais de meia hora. Tinha fila no quiosque de pão de queijo, eu tinha esquecido de levar um livro, me ligaram do trabalho pra perguntar sobre um folheto.
Entrei no ônibus. Comprei janela mas tinha um cara sentado na minha poltrona, tive que pedir pra ele levantar, ele não quis, tive que discutir, ele foi embora xingando. Uma moça derrubou coca-cola na minha camisa e abri minha bolsa só tinha amendoim. Nunca gostei de amendoim. Senti dor de cabeça durante a viagem e cheguei zonzo. Minha mala estava embaixo e amassada por todas e tinha umas marcas estranhas do lado de fora.
O Uber disse que conhecia o endereço mas na verdade não conhecia. Confundiu os bairros, pegou duas ruas pelas quais eu nunca tinha passado, parou num posto de gasolina pra pedir orientação. Orientaram errado. Demos mais duas voltas, falamos com policiais, perguntamos pro cara do gás. Chegamos na rua certa pelo lado errado e ele ainda me cobrou sessenta reais.
Desci na sua porta, tirei a mala do porta malas, mexi no cabelo com a mão e toquei seu interfone. Tentei dobrar a manga pra não aparecer a parte que tinha manchado com molho. Você desceu de pijama, abriu a porta, parou na ponta dos pés. Me deu um beijo e me perguntou se estava tudo bem, como meu dia estava sendo. E aí eu olhei para aquele seu sorriso e sem a menor necessidade de mentir consegui dizer que até ali estava tudo indo muito bem.