Novos temas desafiadores para o sertanejo universitário
O cara que fica afim da garota mas leva isso numa boa, sem pressão: poucas coisas são mais tradicionais nas canções sertanejas sobre começo de relacionamento do que uma certa exaltação, uma certa intensidade, várias vezes desproporcional ou mesmo vagamente assustadora. Não basta ter gostado do primeiro encontro, tem que ali mesmo já decidir que é pra vida toda. Não basta pedir em namoro, tem que deixar claro que ela precisa aceitar, que recusar não é uma opção, que se ela não quiser você sinceramente nem sabe o que é capaz de fazer. Não basta falar que gosta da companhia da pessoa, tem que reforçar que ela vai precisar escolher entre ficar contigo ou ter amigas, ir ao cinema com você ou estar presente em eventos sociais, se alimentar de coisas que você previamente mastigou e irá depositar na boca dela, como aves fazem com seus filhotes, ou frequentar restaurantes (isso nunca foi literalmente citado em nenhuma canção mas acredito que seja um desdobramento natural dos conceitos trabalhados atualmente).
Um inovação então poderia ser uma canção onde o eu-lírico ficou interessado mas está relativamente de boa, gostou bastante mas entende que a rejeição é uma possibilidade, quer muito namorar, mas se ela não quiser, o que a gente vai fazer, né? Decisão dela, vida que segue, deus no comando, talvez essa seja a deixa que faltava pra eu finalmente assistir “The Wire”, que todo mundo recomenda tanto.
Exemplo: Vai namorar comigo sim/ mas se não quiser tá tudo bem/ não é como se ninguém fosse morrer se ficar solteiro também
O cara que reencontra a ex mas não vive um terremoto emocional por causa disso: poucas tradições estão mais enraizadas no sertanejo do que o homem que não supera a ex-namorada. É o cara que passa a noite em claro pensando na ex, é o cara que beija outra pessoa mas pensa na ex, é o cara que vê a lata de coca-cola e pensa na ex, é o cara que está conseguindo parar de pensar na ex e aí ele numa festa tromba com quem? Sim, com ela, a ex, que faz com que ele pense na ex. Seja a ex que foi embora sem aviso, seja a ex que ele dispensou e se arrependeu, seja a ex com quem ele obviamente não se importa e ele tá fazendo uma música sobre como não se importa porque é isso que a gente faz quando não se importa com uma pessoa, faz uma música pra ela, o mundo do sertanejo universitário é densamente povoado por pessoas que não superaram suas relações anteriores, não processaram os sentimentos por gente que já está em outra, ainda estão discutindo o final de How I Met Your Mother quando nem o final de Game of Thrones importa mais.
Seria então uma variação interessante abordar o cenário das pessoas que veem um ex ou uma ex e apenas ficam de boa. Que encontram alguém que já namoraram e apenas cumprimentam de maneira civilizada. Que veem a foto de um ex-amor numa rede social e apenas pensam “ah, que bom que ela parece feliz”. Que quando encontram o nome da ex numa lata de coca-cola apenas pensam “rapaz, que doideira, né, namorei uma pessoa chamada Coca-Cola”.
Exemplo: E no primeiro canto em que eu encosto/ em um barzinho aleatório/ olha quem eu topo/ cumprimentei casualmente de boaça, parceiragem
O cara que lida com o término de forma relativamente madura: outra constatação que pode ser feita em qualquer análise do sertanejo universitário, por mais superficial que seja, é que tá aí uma galera que lida muito mal com términos. Seja através da tristeza mais triste, que envolve beber demais, acordar vizinhos com música alta e concluir ali mesmo que nunca mais vai se recuperar, passando o resto dos dias alcoolizado e chorando no boteco, seja através da alegria mais exagerada, que envolve beber demais, acordar os vizinhos com música alta e decidir que agora vai viver intensamente a vida de solteiro, passando os dias alcoolizado e comemorando no boteco. No sertanejo só existem dois tipos de término: o que te deixa total e completamente arrasado, na sarjeta, mandando longos e incongruentes áudios pelo Whatsapp pedindo que ela volte e o que você não se importa, já foi tarde, e agora você vai transar com mais gente do que uma fusão dragon ball de Renato Gaúcho e Maria Zilda Bethlem no carnaval de Salvador.
Nada mais surpreendente então do que um sertanejo sobre gente que está encarando o término assim, tranquilo. Se ficou magoado, ficou magoado mas entende que essas coisas acontecem, não existem mocinhos nem vilões, apenas pessoas tentando seu melhor. Se já não queria mesmo continuar, não há necessidade de sinalizar isso já de cara com uma euforia excessiva, términos são complicados pra todo mundo e é legal respeitar a história que aquelas duas pessoas construíram juntas. Obviamente seria ruim para os donos de bar, mas seria um grande momento para os analistas e terapeutas aí fora.
Exemplo: O copo sempre cheio / o coração vazio / tô me tornando um cara solitário e frio/ vai ser difícil eu me apaixonar de novo / e a culpa provavelmente é de algumas questões minhas mesmo
O cara que vai pro bar e bebe de maneira moderada: existe uma boa razão para quase todas as lives de sertanejo serem patrocinadas por uma marca de cerveja. Afinal, poucos ritmos na história do nosso país, e até mesmo no cânone da música ocidental, reforçaram tanto a ideia de que você pode usar a bebida como caminho para esquecer os seus problemas. Ela foi embora? Você vai beber porque está triste. Ela foi embora mas você queria que ela fosse embora? Você vai beber pra comemorar. Ela não vai voltar? Você vai beber pra esquecer. Ela parece que vai voltar mas você não sabe se aceita ela de volta? Você vai beber pra decidir. E obviamente não basta apenas beber, precisa beber até chegar num estado etílico que te permita chorar sem controle, contar sua história para o garçom e ligar ao menos 10 vezes pra ela, se possível à cobrar.
Nada mais incomum então do que uma musica sobre gente que consegue, mesmo depois de já estar no bar, segurar a própria onda. Que bebe umas mas nota que talvez seja hora de parar. Que faz aquele vira vira mas quando percebe que tá olhando esquisito pro celular resolve pedir uma porçãozinha pra rebater. Que avisa que o papo tá muito bacana mas é hora de ir pra casa que amanhã tem que acordar cedo pra fazer exercício, sabe como é quando você passa dos 25. Como falamos antes, ruim pra Ambev? Claramente. Vantagem pra sua dignidade, pras suas chances de voltar com seu ex e até mesmo pras suas finanças, se o plano de saúde da sua empresa tiver co-participação? Obviamente.
Exemplo: Meu orgulho caiu quando subiu o álcool/ aí eu ponderei que era hora de ir pra casa antes de tomar alguma decisão equivocada*
* ainda trabalhando nessas rimas