O texto sobre futebol que eu nunca fiz

Shoegayzer
3 min readDec 7, 2023

--

Eu poderia começar este texto dizendo que eu, assim como o Sr. Spock e o Keanu Reeves, tenho problemas para demonstrar grandes emoções ou expressar sentimentos. E depois eu poderia compartilhar com vocês o fato de que eu não grito, eu raramente xingo, eu tenho dificuldades para dizer “eu te amo”, eu não aviso pras pessoas que elas podem ir dormir lá em casa, eu não falo que “considero você quase como um irmão” (exceto pro meu irmão. as vezes) e que eu não sou de me expressar com muita veemência. Então eu poderia fazer um longo discurso sobre a importância do futebol como fonte de relaxamento e via de catarse na minha vida. Mas eu, é claro, não vou fazer isso.

Porque se eu fizesse isso eu teria que depois explicar que eu torço para o Santos e tenho com esse time uma relação de paixão e emotividade que foge totalmente do meu padrão de relacionamentos sadios. Que quando eu vejo os jogos na TV ou no estádio eu abandono toda a minha ponderação e grito e praguejo como um estivador que martelou o próprio dedo infeccionado. Que quando eu estou torcendo eu me transformo em outra pessoa e tomo atitudes que vão totalmente contra tudo que eu conheço da minha personalidade e do meu bom-senso. Mas eu não vou fazer isso. Quer dizer, talvez até fosse bom fazer porque seria legal que as pessoas que me viram hoje soubessem que não é sempre que eu desejo que uma pessoa desconhecida seja empalada por uma manilha de obra. E eu sinceramente peço desculpas a você, Gabriel Inocêncio. Quer dizer, peço nada, você mereceu, seu grosso do inferno. Mas como eu disse, eu não vou fazer isso.

Não, esse texto não é para nada disso. Não é pra comentar os erros da diretoria e dos jogadores, não é pra dizer que espero ansioso o processo que o Rueda deve abrir contra mim por ter gritado na janela que eu queria chutar as muletas dele, não é pra fazer mais algum comentário sobre o Marcelo Fernandes é um estagiário, não, nada disso. Porque eu, na boa, jamais iria escrever um texto falando sobre esse tipo de coisa. Não, nunca, jamais.

Também não vou dizer que fiquei feliz pelo Bahia, não vou dizer que fiquei feliz por quem merece ser feliz ou que fiquei feliz que uma tragedia maior não tenha acontecido na Vila Belmiro nessa noite histórica (sério, tá aí uma frase que não se escreve todos os dias) e que ninguém tenha morrido ou coisa do tipo. E se você pensar bem, essa frase é meio estranha, porque o que seria “coisa do tipo” no caso de morrer? Mas como eu disse, eu não faria nada disso, não é pra isso que esse texto é.

O texto é apenas pra agradecer ao Santos pelas quatro horas semanais de catarse, irracionalidade, palavrões e ameaças que ele tem me garantido desde pequeno. Pelo fato dele me permitir jamais xingar alguém no trabalho porque eu já descontei tudo no Lucas Braga, pelo fato dele me permitir nunca ser grosso com uma garota, porque eu já chamei a mãe do Mendoza de todos os nomes possíveis e pelo fato dele me permitir ter alguma coisa pra conversar com meu pai (assim como o Ted em HIMYM eu só consigo falar com meu pai sobre o nosso time). Obrigado pela terapia e pelo tempo que passamos juntos, pessoal. Foi angustiante, foi doloroso, mas também já foi feliz e espero que um dia, novamente, possa ser muito divertido. Eu te amo Santos Futebol Clube

--

--

Shoegayzer
Shoegayzer

Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

No responses yet