Pequenas situações que dizem mais sobre a sua vida do que você gostaria
Daí que você precisou arrumar um lugar pra cortar o cabelo. Você não é de pesquisar, você não é de pedir opinião de conhecido, você só acha uma barbearia no caminho de casa, entra, explica vagamente o corte, o cara corta, aí ele pergunta como é o pezinho, você não sabe como é o pezinho, ele diz que pode ser disfarçado, a ideia de um pezinho que se disfarça de outra coisa parece intrigante, faz pezinho disfarçado então. Você sai da barbearia, o cara se despede de você com um “até a próxima, Guilherme”, você fica confuso, mas não corrige, já tá na porta, nem sabe se vai voltar ali, necessidade nenhuma de corrigir o cara numa besteira dessa.
Claro que no mês seguinte você volta, porque você descobriu uma barbearia, seu cabelo ficou socialmente aceitável, você não vai procurar outra barbearia. Chegando lá o mesmo cara te recebe com um “faaaala, Guilherme!” e você acena de cabeça com um “que?” como uma maneira de sinalizar que você entendeu o gesto mas não as palavras, tentando não precisar corrigir o cara mas não responder diretamente quando chamado de Guilherme, porque esse não é o seu nome, mas você não vai sair corrigindo uma pessoa por causa de uma coisa assim. Guilherme, Luan, Oswaldo, é tudo nome, tá tudo bem.
Todo o processo de corte de cabelo transcorre normalmente, você não sabe de novo qual pezinho fazer, ele fala “pode ser disfarçado” e você pensa “parece intrigante” e aí faz. Na saída ele manda um “até a próxima, Guilherme” e você responde com um “opa” meio gutural que visa demonstrar que você entendeu que ele emitiu sons mas não reconheceu o nome em questão pois você não se chama Guilherme, esse não é o seu nome. Mas não tem necessidade de deixar uma pessoa sem graça por causa de um lance desses.
Lá pela quinta vez que você vai na barbearia o cara solta um “E as namorada, Guilherme?” enquanto passa a máquina na lateral e você chega a fazer menção de dizer um “hahahaha meu nome não é esse” mas pensa que agora é tarde demais, são cinco meses usando o nome “Guilherme” nessa barbearia e se você só agora informar que esse não é o seu nome vai ser muito esquisito, vai ser muito desconfortável, você vai parecer uma pessoa estranha. Não dá mais tempo pra voltar atrás e você aceita a realidade de que enquanto morar nessa cidade o seu nome vai ser Guilherme durante uma hora por mês enquanto corta o cabelo. “Pezinho é como?”, “Como pode ser?”, “Ah, pode ser quadrado, redondo, disfarçado”, “Hmm…disfarçado…intrigante…”.
Sexta vez que você vai lá, mais uma vez aquele “fala Guilherme”, porque todo mundo sempre esquece o seu nome, exceto essa pessoa que decidiu que o seu nome não é o seu nome. Corte de cabelo sendo feito, aqueles papos protocolares, você não foi chamado de Guilherme mais nenhuma vez. Termina o corte, tá tudo normal, mas há uma mudança na dinâmica. Dessa vez, por não ter ninguém no caixa, o cara que cortou seu cabelo também vai passar o seu cartão.
Daí que ele pega seu cartão, vai passar na máquina, lê seu nome. “Tá usando o cartão do seu irmão, Guilherme?”. “Opa, não, é meu”. “Mas aqui diz Luan”. Sua cabeça cogita por alguns instantes algumas opções que vão desde “Luan Guilherme” até apenas deixar o cartão e correr, e aí o cara pede pra ver sua identidade. Você respira fundo, faz a sua melhor cara de “isso é algo normal que acontece com qualquer pessoa” e explica que bem, ele começou a te chamar de Guilherme, você ficou sem graça de corrigir, acabou apenas deixando rolar.
Nos olhos dele e das outras pessoas perto do caixa você consegue ver se formando a frase “será que é algum tipo de fraude? será que é um cartão roubado? que tipo de pessoa maluca consegue achar mais confortável passar meio ano sendo chamada por outro nome do que apenas interromper a outra pessoa e corrigir algo que ela disse?”. E você sabe a resposta, claro. Esse tipo de pessoa maluca é você, sim, é você, é totalmente você. É muito você. Rapaz, é você pra caralho.
Na saída o cara se despede de com um desconfortável, “até mais, fera”, porque toda a questão de nomes próprios se tornou uma espécie de tabu por hoje. Você cogita seriamente a possibilidade de nunca mais ir ali, mas é no caminho de casa, o preço é bom, ia dar trabalho demais mudar de barbearia agora, já foram seis meses naquele lugar. Fora que, sei lá, suponha que você ache um lugar novo e o cara já te cumprimente com um “faaaaala, André”.