Pequeno constrangimento cotidiano cíclico

Shoegayzer
3 min readJun 19, 2021

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Você tem quase 27 anos mas ainda é bastante imaturo. Você não sabe se é culpa do ambiente, se tem a ver com a sua criação, se é porque metade dos seus genes vieram de um cara que uma vez foi chamado de passivo-agressivo e respondeu dizendo “uuuuuia” com voz fina. Mas você sabe que é meio imaturo.

E isso se reflete em diversos aspectos da sua vida, que vão desde questões graves como insegurança, problemas de relacionamento e dificuldades de comunicação com os outros até problemas mais cotidianos como se sentir pressionado quando realiza qualquer coisa pelo telefone, pagar mais caro em corridas por medo de discutir com o uber ou apenas rir histericamente toda vez que assiste o filme Hudson Hawk, o Falcão está a solta, que você considera o melhor filme de Bruce Willis fora da franquia Duro de Matar. E claro, você tem uma enorme dificuldade para comprar camisinhas.

É uma coisa que acontece desde sempre. Você sabe que não faz sentido, você sabe que é um homem adulto, você sabe que a sexualidade não é mais tabu, você sabe que não é a sua avó que está no caixa, você sabe que depois de passar pelo caixa do pague menos carregando apenas um salame inteiro e um pote de margarina você não deveria mais se constranger com nada nessa vida, mas ainda assim é desconfortável e você apenas se sente intimidado e sem graça na hora de ficar com o pacotinho na fila.

Então durante meses você faz menção de comprar, chega a aproximar da prateleira, mas apenas não pega. Você fica sem graça, você se sente pressionado, você adia o momento. Numa outra vez você chega a pegar, coloca no cestinho, no meio das outras coisas, mas uma senhorinha idosa tá do seu lado, você refuga, deixa o cestinho e vai embora. Outra vez você toma mais coragem, chega a colocar na frente da caixa mas ela não consegue ler o código, fica balançando a camisinha no alto, chama o gerente, você se constrange, pede pra cancelar, diz que vai levar apenas as sete caixas de dorflex e as cinco papinhas de bebê que você tinha comprado pra disfarçar.

Até que um dia as camisinhas na sua casa apenas acabam. Não tem mais as simples, não tem mais as que o ministério da saúde deu no carnaval, não tem mais as da caixinha de emergência, não tem mais camisinha, camisinha acabou. Aí você decide que é hora de virar homem, essa situação está ridícula, você tem que sair e comprar. E pra evitar passar por isso de novo vai comprar muitas camisinhas, inúmeras camisinhas, uma quantidade de camisinhas que te permita passar um bom tempo sem se preocupar em comprar camisinhas. A compra de camisinhas que irá acabar com todas as compras de camisinhas. Porque você vai comprar muitas camisinhas.

E você chega decidido na farmácia. Pisando firme, caminha até a área onde ficam as camisinhas. Pega 10 das caixas com maior quantidade, coloca no cestinho. Acha pouco. Pega mais das coloridinhas. Acha que não é o bastante, pega mais das azulzinhas. Enche o cestinho. Vai pra fila orgulhoso, espera entre duas freiras, você é um cara convicto do que tá fazendo e nada pode te afetar. Você é um homem, você é maduro.

Chega no caixa, uma garota, ela começa a passar seus itens mas para no meio. Troca de turno. Chega um cara. Você olha fixo, você nota que é alguém que estudou com você no Polivalente em 2011, mas tudo bem, você está convicto, você despeja as camisinhas no caixa. Ele olha pra você. Você transpira confiança. Nada pode te constranger nesse mundo, você é um homem maduro e seguro da sua sexualidade. Ele passa a primeira, caixinha, ele passa a segunda caixinha, ele passa a terceira caixinha, ele olha pra você de novo e diz, bem alto, “mas você virou uma caceta de um fodelão, hein? putaquepariu essa quantidade de camisinha, vai transar demais Luanzinho”. Você nota que tava errado, você abaixa a cabeça, você olha pro chão, você quer desaparecer.

8 meses depois você olha na sua gaveta e nota que as camisinhas tão acabando. Você tenta colocar uma no cestinho junto com o shampoo e o desodorante mas fica sem graça. Vai pra seção das papinhas.

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Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

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