Porque é meio bobo cobrar que o brasileiro rejeite Bolsonaro como rejeitou Karol Conká
Existem várias razões pelas quais esses papos de “enquanto você grita gol eles te exploram”, “enquanto você assiste BBB eles aprovam tal coisa no congresso” ou “queria ver vocês rejeitarem o Bolsonaro da mesma maneira que rejeitaram a Karol Conká” sempre soam meio estranhos.
Primeiro pela óbvia condescendência. “Sim, eu, um acadêmico politizado sei quais são as reais prioridades, enquanto vocês, a ralé, ficam gastando tempo com coisas menores” é uma postura que serve muito mais pra se sentir superior do que pra aglutinar qualquer um em torno de uma causa, ainda mais quando ela vem de pessoas que, na prática, estão contribuindo tanto quanto você pra qualquer tipo de mudança (afinal, uma coisa é você me criticar por ver futebol enquanto realiza seu mandato de vereador do PSOL, oferece seu curso de introdução ao marxismo socialista ou mesmo sua missão de se esconder durante 7 dias dentro de uma caixa para entrar numa embaixada e assassinar o Ernesto Araújo, outra é criticar o amigo por ver BBB enquanto assiste HBO)
Depois porque parte do princípio equivocado de que uma coisa necessariamente exclui a outra, como se, obviamente quem grita gol não fosse politizado, quem vê BBB se importasse apenas com o BBB e toda a oposição brasileira tivesse se desmobilizado na luta contra o Bolsonaro apenas para focar na Karol Conká porque ninguém consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. Estou dizendo que vivemos um grande momento de aglutinação em que todas as pautas prioritárias estão recebendo toda a atenção possível? Não. Mas mesmo num mundo sem BBB e sem futebol eu acho improvável — e até pouco saudável — que toda a população brasileira se dedicasse integralmente à militância, sem nenhuma distração. Não deu tão certo pra Lumena, por exemplo.
Por fim, e acho que esse é o motivo mais importante, porque esse tipo de debate está basicamente comparando batata com raio laser. Política e futebol são campos que se tocam, mas que são diferentes. Um reality show é um reflexo da nossa sociedade, em algum grau, mas mensura coisas e opera através de mecanismos totalmente diferentes de uma eleição.
Então cobrar que o Bolsonaro tenha “a mesma rejeição” que a Karol Conká é não apenas ignorar as óbvias diferenças de momento e contexto (uma é uma cantora negra que se comportou de maneira escrotíssima num programa de TV onde as pessoas podem ser eliminadas toda semana através do voto num site, o outro é um presidente genocida eleito com os votos de uma parcela significativa da população e que não pode ser retirado através do Gshow com cada um votando 78 vezes), como subestimar a complexidade do combate ao bolsonarismo (não existe uma rede de informação paga por empresários e políticos pra tentar fazer parecer que a Karol Conká sempre tem razão) além de tentar culpar pessoas por buscarem alguma distração num dos momentos mais bizarros e exaustivos que o cidadão brasileiro já viveu.
Seria legal uma pesquisa de popularidade mostrar que Bolsonaro tem 99% de rejeição? Seria show, seria lindo, seria top. Mas a melhor tática pra isso passa por comparar o cara com a Karol Conká, criticar quem assiste BBB ou afetar superioridade moral em rede social? Aí talvez nem tanto.