Problemas práticos do romantismo teórico I

Shoegayzer
4 min readNov 4, 2019

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Como qualquer pessoa pode notar, existem várias pequenas características que tornam um envolvimento romântico diferente de qualquer outro tipo de relacionamento que você vá ter na vida, seja um relacionamento profissional, um relacionamento familiar ou aquele tórrido, malicioso e sensual programa de relacionamento com uma empresa de ônibus. Isso porque afinal, por mais que você goste do seu trabalho, você não sonha com ele duas noites seguidas, por mais que você goste da sua avó, você não fica ansioso, nervoso e provando camisas diferentes quando vai sair com ela, e por mais que você ache bem bacana quando a Piracicabana faz aquelas promoções e te deixa visitar sua amiga em São Paulo por metade do preço, não é por causa dela que você tem nutrido essa alegria boba e essa simpatia meio constrangedora por certas músicas da carreira-solo do Tim Bernardes sobre as quais você não quer falar muito agora porque essas coisas te deixam meio sem graça. E no meio de todas essas pequenas particularidades, existe uma que se torna realmente gritante quando um envolvimento amoroso é comparado com algum outro tipo de relacionamento: A necessidade de reciprocidade.

Não que um certo grau de recompensa e mutualismo não seja uma exigência em qualquer tipo de relação, seja ela comercial ou pessoal, já que todas consistem de trocas, sejam elas físicas ou simbólicas. Uma compra numa loja envolve uma troca, o seu amor pela sua mãe é baseado num certo nível de reciprocidade e até o seu convívio com um peixe de estimação envolve proposta e contraproposta (ainda que a contraproposta dele em troca de alimentação, cuidados e bons tratos seja apenas se manter respirando e nem isso ele cumpra por muito tempo, mas não quero ser autobiográfico demais aqui). Mas em nenhum desses tipos de relacionamento a necessidade do mútuo, do recíproco, é tão forte, clara e complicada de obter e entender.

Primeiro porque ao contrário dos outros tipos de acordo, num romance a necessidade é de que essa troca seja igual e intensa. Se você manda mensagem no WhatsApp, você não quer apenas que a pessoa responda, você quer que ela responda com o mesmo grau de alegria e empolgação, incluindo uma figurinha sobre te dar um beijo se possível; se você faz um convite, você não quer que ele seja apenas aceito, você quer que ele seja aceito com a mesma felicidade que você fez e se possível com uma cara de “meu deus, ver a coleção de quadrinhos dele da DC é tudo que queria pra qualquer sábado da minha vida”; e se você manda um carro de som tocar Guilherme Arantes na porta da casa dela você quer um carro de som tocando Djavan na porta da sua, e não aquele término seguido de ordem de restrição judicial que acabou rolando e você não entendeu direito até hoje.

Depois porque a mensuração e análise dessa reciprocidade são muito mais complicadas do que em qualquer outro tipo de relação. Não apenas pela dificuldade de analisar friamente uma reação visando definir seus componentes emocionais (“ela está sorrindo porque ficou feliz em me ver ou porque estou usando meu cinto do Batman?”) ou compreender as causas de uma atitude ou outra (“ela não respondeu minha mensagem porque não quis ou por causa daquele queda de energia em todo o estado da qual o pessoal está falando há dias?”) como também pela impossibilidade de analisar friamente qualquer coisa quando você está envolvido com alguém de forma romântica e ao olhar no espelho o Harrison Ford pisca de volta pra você.

E ainda que como sempre acontece quando se fala de relacionamentos, alguém vá querer dizer que “essa é a graça da coisa” e o bacana em gostar de alguém é exatamente a incerteza dos processos, a confusão dos conceitos, a cara de bobo e essa maldita música ambiente do Oasis que não para de tocar na sua cabeça, não tem como negar que todo o processo envolvendo a análise da reciprocidade é uma grandes
fonte de preocupação, insegurança, leve neurose e sessões domiciliares de 500 dias com ela. A não ser, é claro, que você seja uma pessoa segura, tranqüila e madura, que não fica realmente preocupada com esse tipo de coisa. E nesse caso tudo que eu posso te perguntar, de coração mesmo, é se você não achou estranho ela ter respondido aquele sua mensagem de 5 linhas, envolvendo uma citação da música que vocês ouviram no primeiro beijo e dois emoticons de coração com apenas um “tá bom”. Só por curiosidade mesmo, sabe como é.

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Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

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