Problemas práticos do romantismo teórico - IV

Shoegayzer
4 min readSep 20, 2021

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Uma coisa que eu ouço com bastante frequência é que hoje em dia as pessoas terminam com muita facilidade. Ao que parece existe um consenso de que muita gente termina por qualquer motivo, que a galera não tem maturidade pra sobreviver aos solavancos de um relacionamento adulto e que grande parte de nós não passa de crianças mimadas que não conseguem aceitar a ideia de ser contrariadas e decidem que o melhor é cair fora. E ainda que eu realmente fique sempre impressionado com o ritmo frenético de início e término de relacionamento de várias pessoas e sempre me pergunte como alguém consegue, em apenas dois anos, ter três namoros, dois casamentos e quatro divórcios — ainda mais porque os números não batem, repare — eu sempre desconfiei que o “problema” não é que as pessoas sempre terminam por nada. É que elas algumas vezes começam por muito pouca coisa.

Claro que é óbvia a lógica entre começar mais e terminar mais, mas aprofundando o conceito você percebe que existe uma relação bem clara entre o nível de disposição e a forma como as pessoas começam um relacionamento e o fato de que esse mesmo relacionamento terminou por razões graves e realmente críticas como discordar quanto ao Pokémon favorito, não gostar do mesmo tipo de queijo ou um deles ter errado o começo da quarta estrofe de faroeste caboclo na noite de karaokê na casa dos pais do outro (“ele queria sair pra ver o mar, ele queria sair pra ver o mar, todo mundo sabe!”)

Primeiro porque dá pra notar em várias pessoas um certo automatismo com relacionamentos e uma tendência a entrar neles mais por inércia e rotina do que por iniciativa própria. As pessoas saem, as pessoas ficam, as pessoas continuam ficando e num dado momento, quando elas menos percebem, estão namorando, o que torna compreensível que elas terminem logo no primeiro solavanco. Não que eu esteja exagerando no romantismo ou que eu tenha uma camisa escrito “quem ama espera” no guarda roupa, mas eu sinceramente acho que um relacionamento estável deveria começar baseado mais em tags como “paixão”, “atração incontrolável” e “vontade louca de ficar juntos” do que “ah, ela é bonitinha” ou “pô, ele já tava ali do lado”. Não sei, mas desconfio que o conceito de “só tem pepsi, pode ser?” pode até funcionar como propaganda, mas não é uma grande ideia em termos de vida pessoal.

Em segundo lugar as pessoas se sentem meio “obrigadas” a se relacionar. Como quase sempre estive solteiro eu posso relatar, em termos de experiência pessoal, que existe uma grande pressão pra que você transforme uma ficada em relacionamento, quase sempre mais por parte da sociedade do que da garota. “Ah, e quando vão namorar?”, “peraí, mas seis meses só ficando?”, “quando você vai parar de enrolar essa menina?” são frases ditas como se um relacionamento fosse uma progressão cronológica/sistemática com um fim óbvio e não um processo com regras próprias e quase sempre tão lógico quanto um episódio de “Padrinhos Mágicos” visto de trás pra frente com legendas em albanês.

E em terceiro lugar, bem…algumas pessoas são apenas carentes. Então quando não aguentam mais a barra de estar sozinho decidem que o melhor é achar alguém pra ficar, uma motivação que definitivamente tende a não levar as coisas muito longe — “eu te amo, sabia?” — “ah, e eu estou com você porque tenho medo de virar uma mulher idosa morando sozinha numa casa cheia de gatos. Ah, e porque você é bacana, claro”. Então quando acontece algum problema elas realmente não tem nenhuma motivação pra continuar e preferem procurar outra pessoa que as mantenha afastadas do eterno pesadelo do saco de 50kg de whiskas.

Ou seja, não, não falo que o mínimo pra começar um namoro seja um vendaval de paixão, um temporal de sentimento, um tsunami de luxúria, um remake de “Mar em Fúria”, só que trocando o mar por amor, o George Clooney por você, a Diane Lane pela sua namorada e o Mark Wahlberg por aquele seu amigo que insiste em sair com vocês o tempo todo. Não precisa tanto. Mas se começar assim são bem menores as chances de que ela te largue porque você deixou queimar o omelete ou que você decida ir embora porque ela te interrompe quando você joga videogame.

A não ser, claro, que ela tenha te interrompido numa fase muito complicada ou quando tem um chefão na tela. Aí realmente é foda, nem falo nada.

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Written by Shoegayzer

Quando eu era mais novo um professor disse que eu escrevia bem. Até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido.

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