Sobre “Casamento às cegas” e essa leve sensação de que a galera não anda muito legal da ideia
Um nicho de conteúdo audiovisual que sempre achei muito fofo são os vídeos de introdução alimentar, em que crianças pequenininhas e fofinhas estão sendo apresentadas a novos ingredientes e sabores. É o bebezinho provando limão e fazendo careta, é a jornada de descoberta do primeiro morango que a menininha prova, é a experiência quase alucinatória da criancinha que não está acostumada com açúcar, aí recebe um sorvete e entra num estado de descrença e delírio sobre como algo tão incrível poderia existir, todo mundo ter acesso, e ela só estar descobrindo isso agora.
E é mais ou menos assim que eu, que não tinha o costume de assistir a reality shows, venho me sentindo diante da 4ª temporada de “Casamento às cegas”, um programa ao mesmo tempo fascinante e absurdo, que já é exibido tem alguns anos, sobre o qual algumas pessoas já haviam me falado, mas que eu só comecei a acompanhar nas últimas semanas.
Primeiro porque a premissa é ao mesmo tempo idealisticamente romântica e perfeitamente criada para gerar todo tipo de crueldade, já que existe sim algo de bonito no conceito de se apaixonar por quem uma pessoa é e não pelo que ela parece, mas ao mesmo tempo a inviabilidade prática dessa ideia cria os mais variados e traumáticos cenários de rejeição pra quem não se enquadra num determinado padrão estético. Mais ou menos como 90% das pessoas que se dizem sapiossexuais querem apenas uma pessoa bonita que também seja inteligente, muita gente quer se apaixonar pela alma alheia mas só se ela vier num corpinho bem bacana.
Depois pela questão óbvia da intencionalidade, já que entrar num reality show da Netflix onde você vai conversar com um monte de gente através de uma parede e tentar sair de lá já noivo parece uma maneira desnecessariamente complexa de buscar um relacionamento num mundo em que existem apps de paquera, cruzeiros de solteiros e a sua colega do trabalho está tentando, desde o seu término, te apresentar alguém da igreja dela, por mais que você tenha explicado que não é o caso. Essas pessoas querem mesmo casar? Essas pessoas querem mesmo se apaixonar? Essas pessoas querem apenas se tornar influencers? É um pouquinho de tudo e mais um tanto de vontade de passar um mês sem trabalhar, lavar louça e arrumar cama?
Mas acima de tudo, o que me pegou em cada um dos 8 episódios de “Casamento às cegas” que eu assisti é uma constante sensação de que boa parte de nós, enquanto pessoas solteiras, talvez não estejamos numa brisa tão bacana assim não.
Seja o cidadão calvo que acha que a melhor maneira de não chamar atenção pro fato de ser calvo é usar boné em situações que apenas um homem calvo usaria, passando pelo cara que sempre que a parceira faz perguntas práticas sobre a parte financeira responde com “a gente vai se falando”, até chegar na mulher que no começo do programa parecia ter estabelecido elevados padrões pra si mesma mas terminou com um cara que nem os melhores amigos conseguem elogiar — e nem vamos entrar no casal formado por um homem que mente sobre o número de filhos e uma mulher que parece estar sempre a beira de um colapso bilingue — o que você vê são várias pessoas que mal parecem preparadas pra uma ficada sem compromisso, que dirá pra um casamento.
Porque ainda que o programa apresente — e na verdade cause — versões bem mais comprimidas, intensas e extremas das situações que acontecem na vida “real”, ele ainda está, lá no fundo, abordando momentos pelos quais muitos de nós passamos sim um pouquinho e pros quais muitas vezes não estamos tão preparados quanto gostaríamos. O processo ao mesmo tempo divertido e confuso de conhecer alguém novo, com todas as descobertas envolvidas, a reflexão sobre que direção dar pra essa coisa toda e até mesmo a questão prática de entender como essa pessoa se encaixaria na sua vida e você se encaixaria na vida dela.
E claro, acima de tudo, a experiência de sair de uma festa na piscina realizada em São Paulo gritando “fuck you” pra todos os outros convidados logo após descobrir que está com uma pessoa que enrolou 12 anos pra reconhecer um filho. Com certeza essa é uma experiência universal, não tem jeito, happens com todo mundo. It’s la vida.